21/12/2009

Almas depenadas

*Foto: Lara Jade

Vagueiam por uma montanha plana-oásis de espíritos limitados...
Almas vazias e comuns a todos nós.
Como almas penadas, vagueiam com um sol de inverno a penetrar-lhes numa alma impermeável.
Levam ácido no coração e enfeitam-se por fora.
Delas não tenho medo, das almas penadas. Só tenho medo e pena das almas depenadas; daquelas que como nós, são especializadas em banalidades; cheias de pensamentos diuréticos, ideias laxantes.
Cheias de nada e coisa nenhuma. Estão depenadas de vida!
Tenho medo também dessa floresta de ferro e betão, desconhecida, onde deambulamos com o carro mais caro da sociedade actual: o carrinho do supermercado!
Alma baixa, espírito curto e magro; é a qualidade de qualquer um de nós. Qualidade de quem "come lixo e arrota ouro"!
Almas nuas e envernizadas, com personalidade de silicone!
Nossa especialidade?
-Errar é humano!-dizemos (especialmente quando o erro é nosso!)

17/12/2009

Fondue


...
Hoje escrevo-te pela última vez.
Para que venhas ao meu mundo e eu te peça um perfume de jasmim, que não gosto mas sinto, em minhas mãos que não param de pensar em nós.
Fundidos como chocolate ou queijo, assim nos quero, ao lume.
Quero mergulhar em ti como se fosses o meu chocolate quente e, eu o teu morango, que não gostas mas desejas.
Para te poder abraçar na mesma dança, ao som de cafés cheios de preconceitos e pessoas cheias de cafeína.
Não tenho medo da lua porque está longe, mas ainda tenho medo do teu olhar, como uma criança receia a noite, porque continuo a confundi-lo com o meu.
Tenho medo porque me faz bem, como o sono para um bebé e, porque me preenche por dentro, como o ar para um balão de festa.
Estive longe mas continuo a precisar da tua voz para me acalmar a alma, e das tuas palavras para me acelerarem o coração.
Estou longe porque fiz escolhas e tu não!
Estarei longe, mas conheces todas as minhas coordenadas e, as portas da minha tenda estarão sempre abertas.
Tenho paragens cardíacas todas as manhãs, quando não te vejo na minha vida, e são as nossas conversas que me resuscitam por minutos.
Tenho uma chaga no coração, produzida pela distância, e joelhos vacilantes cada vez que ainda te sinto.
Mas preciso que morras logo de uma vez, para chorar tudo, porque não quero que me voltes a matar a cada partida, a cada adeus.
Continuo a necessitar de exclusividade, como o sol precisa de ser a única estrela a aquecer a terra.
Não quero um amor gourmet-pouco e caro!
Como sonhos e ilusões ao pequeno-almoço mas, ao meio-dia já estou com fome e é mais difícil sonhar com a barriga vazia...
Às vezes esqueço-me que é dia e confundo-me com a sombra.
Às vezes confundo-me com o escuro da noite e esqueço-me de dormir.
Às vezes não me reconheço e escrevo sobre mim até a tendinite me fazer parar, sempre antes que eu me conheça completamente.
Tenho fome de ti mas, preciso de fazer dieta, ordens médicas, e por isso este ano sabático vai ter que ser prolongado indeterminavelmente.
Tenho ainda mais fome de mim, preciso de me encontrar, de me perdoar...preciso de mim!
Não quero mais ter-te no horizonte, eu sei que ele existe mas nunca o consigo alcançar.
Não quero mais sentir-te, não quero mais pensar-te, não quero mais escrever-te.
Adeus meu amor, estou a chegar!

09/12/2009

Quem? Ninguém!



Quem me vai abraçar, quando eu estiver sozinha?
E quem me vai contar uma história para eu adormecer?
Quem?
Não és tu!
Quem me vai beijar, quando eu tiver dores na alma?
E quem me vai levar ao circo para eu me rir com os palhaços?

Quem me vai limpar as lágrimas, quando eu chorar, chorar, chorar...?
E quem me vai aconchegar a roupa para eu não ter frio?
Quem?
Não és tu!
Quem me vai encher o coração, quando eu estiver triste?
E quem me vai chamar, para eu acordar para a vida?

Quem?
Não és tu!
Mas sempre e outra vez, ninguém!

06/12/2009

Quando escrevo...


Posso vestir-me com a roupa que quiser, ser mulher ou ser criança, ser herói ou não ter esperança.
Posso tirar do nada uma estrela apagada e, espremê-la na mão, deixá-la cair no chão.
Posso ser um choupo no Outono e ganhar flores, ter todas as cores mesmo sem conhecer nenhuma, tomar banho sem fazer espuma.
Posso apanhar de dentro da noite dois sóis, entre lençóis, que não queimam nem envelhecem.
Posso atirá-los ao mar e deixá-los borbulhar em ondas redondas, desarrumar o mundo, ter azeite no fundo.
Posso ser uma castanha a saltar no braseiro, abraçar sozinha o mundo inteiro, deixá-lo voar e torná-lo a caçar.
Posso sentir por atalhos, pousar em todos os galhos, como as aves sem abrigo, sem chaves e sem amigo.
Posso ser pirata, escrever com lápis de lata, fazer magia com potes de alegria, ser astronauta e só ter luas na pauta.
Posso comprar o anel de Saturno, brincar em qualquer turno, pegar no mundo ao colo até ele dormir, abrir os braços e fugir.
Posso ser borboleta nocturna, que não morre mesmo que durma, ou um morcego de alma fria e viver só de dia.
Posso ser rio que se lança ao mar sem nunca se afogar, passear pelo paraíso, perder todo o juízo.
Posso escangalhar a história na minha memória, e esvaziar vontades, meter glória, tirar saudades.
Posso passar a ferro personalidades encorrilhadas, estender almas molhadas, acampar em Marte, mas nunca deixar de amar-Te!

03/12/2009

Geada de sol


O frio infiltra-se cada vez mais dentro de mim, e eu não consigo evitar.

Torna-me imóvel e provoca dores mórvidas e doentias.

Paralisa-me até ao pensamento, e nenhuma estrela consegue irradiar calor suficiente para quebrar a camada de gelo que já me cerca.

Algumas tentaram, mas são pequenas e incapazes de penetrar no meu espírito, para o aquecer.

O frio está-me a solidificar e a endorecer.

Eu sinto-o!

Está-me a arrefecer por dentro; só as minhas lágrimas continuam quentes...

Não consigo derreter com o calor das outras estrelas porque não chegam até mim.
Preciso de mais...

O frio está-me a transformar numa pessoa intransigente; tira-me a paciência, até para o que mais gosto.
Só me apetece dormir e sem sonhar!

Só tu me podes tirar este manto de neve que me envolve e me torna áspera.

Só tu podes dissolver esta geada que se apoderou de mim e não me deixa pensar; é o frio que o faz em minha vez.

Só tu me podes ajudar a aprender a ser melhor e a não deixar que ele me reduza a gelo.
Só tu, Sol!

01/12/2009

Anjos Famintos


Hoje vou para o alto mar, pescar todas as estrelas do céu.
Vou devorá-las à dentada, para que brilhem todas dentro de mim.
Queres que te guarde algumas para ti?
Vou embrulhar cinco dentro de uma nuvem fofinha para que não se estraguem.
Depois sentámos-nos na lua e fazemos um piquenique no céu.
Traz uma garrafa de sede para me poderes beber completamente, e não te esqueças da toalha de espuma para não molharmos os pés.
Vou convidar alguns anjos para nos servirem este manjar dos deuses, e para te sussurrarem ao ouvido aquelas palavras que não consegues dizer-me.
Quando estiveres saciado, deitamos-nos na lua a ver o sol passar e o tempo a brilhar.
Depois, beija-me o coração devagar, como quem dança, para não o magoares.
Se me deixares, abraço-te a alma com a minha; um abraço forte, não vão os anjos querer levá-las!
...
Já estás a chegar não estás?
Já ouço o eco dos teus olhos...
Tem cuidado!
Não calques nenhuma estrela pelo caminho!
...
Chegás-te!
Estás tão bonito quanto esta mansidão de astros!
Mas...vens de branco? Porque vens vestido de espuma?
A toalha é que era de espuma...
Estás tão sublime, pareces um anjo! És um anjo?
Porque é que és um anjo? Mas os anjos não eram os convidados?
Que sorriso! Trazes sede na boca!
Porque não touxes-te água? A sede não vinha numa garrafa?
Beijas-me com sal...Mas beijaste-me os lábios...
O beijo não era no coração?
Sussurras baixinho... Dizes-me ao ouvido o que eu quero ouvir!
Porque me estás a arrepiar? Não eram os anjos que te iam falar?
Tens um olhar...Mas trazes estrelas nos olhos?
As estrelas não eram para comer?
Partes...
Espera!
Levas a minha alma contigo!
Porque é que a levas e deixas ficar a tua?
Não eram os anjos que as queriam levar?
...
Olhas para mim com estrelas nos olhos e sorris com sede na boca.
Do interior da tua roupa de espuma branca, ouve-se a tua voz que sussurra:
-Eu sou um anjo!
O meu eco responde:
-És como eu!

29/11/2009

Uma opção de vida


Não sou dona de nenhuma fortuna.
Não tenho uma saúde de ferro.
Não sou a inteligência em pessoa.
Não tenho amigos até lhes perder a conta.
Não sou uma Julieta com todas as curvas perfeitas.
Não tenho um Romeu sempre à minha espera.
Não sou famosa em nenhuma terra.
Não tenho muitos familiares de quem me possa orgulhar.
Não sou nenhuma milionária.
Não tenho a melhor personalidade de sempre.
Não sou...
Não tenho...
E depois? Tenho o suficiente para ser feliz.
Tenho o suficiente para me rir realmente quando me apetece e não por hipocrisia.
Uma simples opção de vida?
Para mim já é a única!

27/11/2009

De mão dada


A natureza infiltra-se em mim, e eu já não consigo viver sem ela.
É Deus a acariciar-me...
E eu deixo, e gosto!
Tenho sede de trilhos ainda não percorridos; agora não tenho medo, vou de mão dada.
O sol aquece-me por dentro: Ele a sorrir.
O vento muda-me de direcção: Ele a chamar-me.
O tempo não pára: e eu corro para Ti!

26/11/2009

Água pelos joelhos


A chuva chegou e trouxe com ela o inverno.
Trouxe também água, lama, problemas, inferno!
As pessoas arregaçam as calças e põem pés e mãos à obra...
A cidade tem água pelos joelhos; as casas ficam embriagadas de tanto a beberem.
Um pingo insignificante de gente, tenta apanhar as pingas de mais um temporal, de mais uma cheia.
Cheios de roupa ensopada e de alma desbotada, empacotam a esperança em caixotes molhados.
Com almas frágeis, assustadas pelo trabalho, metem os pés no lamaçal sem usarem galochas.
Ouvem-se vozes de lamentação, sente-se um odor a enxurro, a dissipação.
Vê-se chegar gente encharcada de convenções até à medula. São colarinhos brancos. Trazem uma indignação fingida. Vêem mais engalanados que os barcos dos pescadores. Estes, recebem-nos com um sorriso molhado e um coração arrebentado.
Prometem esperança e futuro para um local, onde a estabilidade que se vê é só de podridão.
Ouvem-se homens dizer:-"Tudo naufragado!"
Enrodilhados, queimados, com calos nas mãos e nas costas, sentam-se no parapeito da janela com água pelos joelhos.
Têm o coração roto e demasiadamente pesado de agonia para se manterem de pé.
No segundo andar, água fria roça os calcanhares das mulheres, e água quente roça o rosto de quem não quer deixar o lar.
Ouvem-se sirenes, e o choro de uma criança que não sabe do barco que o pai lhe deu:."Talvez esteja no rio meu filho! Ou até no mar!"
Chegam os embaixadores da amizade; os verdadeiros dadores de esperança. Comprometem a vida mas não prometem nada! Como os outros...
Fazem o que têm de fazer: ajudar, servir e até alegrar um menino que perdeu um barco.
Sentem-se maiores por o ajudarem a crescer, e vão-se embora, embora saibam que a tarefa deles não acaba ali.
Cabe-lhes uma vida cheia pela frente. Talvez uma vida com um final precoce, como o do barco, por causa dos rios, dos fogos, dos Homens.

Mas uma vida cheia da vida!

25/11/2009

Saco da Amizade



Meti algumas lágrimas num saco cheio de mar, pensando que ninguém as ia encontrar.
Depois descobri que aquele saco era apenas um refúgio de muitas outras lágrimas reprimidas por mim, por ti...
Resolvi libertá-las e chorá-las uma por uma.
Chorei as minhas lágrimas, chorei as tuas.
A minha cara ficou mais limpa. Tu ficás-te aliviada.

O teu saco da lágrimas ficou mais leve e agora já o podemos carregar sozinhas, sem medo de deixar cair algumas pelo caminho.
Pois as que caírem vão lavar as pedras da calçada que nos une e que às vezes nós sujamos.