26/11/2009

Água pelos joelhos


A chuva chegou e trouxe com ela o inverno.
Trouxe também água, lama, problemas, inferno!
As pessoas arregaçam as calças e põem pés e mãos à obra...
A cidade tem água pelos joelhos; as casas ficam embriagadas de tanto a beberem.
Um pingo insignificante de gente, tenta apanhar as pingas de mais um temporal, de mais uma cheia.
Cheios de roupa ensopada e de alma desbotada, empacotam a esperança em caixotes molhados.
Com almas frágeis, assustadas pelo trabalho, metem os pés no lamaçal sem usarem galochas.
Ouvem-se vozes de lamentação, sente-se um odor a enxurro, a dissipação.
Vê-se chegar gente encharcada de convenções até à medula. São colarinhos brancos. Trazem uma indignação fingida. Vêem mais engalanados que os barcos dos pescadores. Estes, recebem-nos com um sorriso molhado e um coração arrebentado.
Prometem esperança e futuro para um local, onde a estabilidade que se vê é só de podridão.
Ouvem-se homens dizer:-"Tudo naufragado!"
Enrodilhados, queimados, com calos nas mãos e nas costas, sentam-se no parapeito da janela com água pelos joelhos.
Têm o coração roto e demasiadamente pesado de agonia para se manterem de pé.
No segundo andar, água fria roça os calcanhares das mulheres, e água quente roça o rosto de quem não quer deixar o lar.
Ouvem-se sirenes, e o choro de uma criança que não sabe do barco que o pai lhe deu:."Talvez esteja no rio meu filho! Ou até no mar!"
Chegam os embaixadores da amizade; os verdadeiros dadores de esperança. Comprometem a vida mas não prometem nada! Como os outros...
Fazem o que têm de fazer: ajudar, servir e até alegrar um menino que perdeu um barco.
Sentem-se maiores por o ajudarem a crescer, e vão-se embora, embora saibam que a tarefa deles não acaba ali.
Cabe-lhes uma vida cheia pela frente. Talvez uma vida com um final precoce, como o do barco, por causa dos rios, dos fogos, dos Homens.

Mas uma vida cheia da vida!

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